Confira a edição de dezembro de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Reestruturação.

Para manter os clientes e contatos atualizados, a equipe reúne mensalmente os principais casos julgados nos Tribunais.

 

PROCESSO 01

Dados do Processo
REsp n. 2.070.288-PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 18/10/2024.

Destaque
A Terceira Turma do STJ entendeu que o crédito com origem no adiantamento de contrato de câmbio não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial e pode ser perseguido pelo credor no montante devido e no vencimento, não estando a execução sujeita à suspensão, na forma do artigo 6º, inciso II, da Lei 11.101/05.

Ementa
Recurso especial. Empresarial. Recuperação judicial. Adiantamento de contrato de câmbio. Execução. Prosseguimento. Trânsito em julgado. Penhora no rosto dos autos. Transferência. Valores. Necessidade.

1. A questão controvertida resume-se a definir se o credor de adiantamento de contrato de câmbio deve aguardar o pagamento dos demais créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial antes de receber os valores a ele devidos.

2. Nos termos do artigo 49, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, a importância entregue ao devedor decorrente de adiantamento de contrato de câmbio para exportação não se submete aos efeitos da recuperação judicial.

3. No adiantamento de contrato de câmbio, o produto da exportação passa a pertencer à instituição financeira, e não mais ao exportador financiado na operação. Portanto, os valores resultantes da exportação realizada por sociedade empresária integram o patrimônio da instituição financeira que realizou a antecipação do crédito, e não da sociedade em recuperação. Precedente.

4. Na recuperação judicial, o pressuposto é que o devedor, a partir da concessão de prazos e condições especiais para pagamento, bem como de outros meios de soerguimento da atividade, consiga pagar todos os credores. Assim, não há falar em prioridade de pagamento de determinados credores em detrimento de outros, ressalvada a necessidade de observar o prazo para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho.

5. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o adiantamento de crédito decorrente de contrato de câmbio deve ser objeto de pedido de restituição dirigido ao juízo da recuperação judicial.

6. Na hipótese dos autos, diante da existência de decisão transitada em julgado determinando o prosseguimento da execução na qual se exigem as quantias adiantadas para viabilizar a exportação, foi deferida a realização de penhora no rosto dos autos da recuperação judicial, valores que devem ser transferidos ao juízo da execução para o pagamento do credor do adiantamento de contrato de câmbio.

7. Recurso especial provido.

 

PROCESSO 02

Dados do Processo
REsp n. 2.165.124-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 17/10/2024.

Destaque
A Terceira Turma do STJ entendeu que o acordo firmado pelas partes antes da citação do devedor na demanda executiva não configura perda superveniente do interesse de agir pelo credor e a previsão de suspensão da execução até o cumprimento integral da obrigação constituída no acordo deve ser observada pelo Juízo.

Ementa
Civil e processual civil. Recurso especial. Ação de execução de título extrajudicial. Prequestionamento. Ausência. Súmula 211/STJ. Transação extrajudicial. Negócio jurídico processual. Suspensão da execução por acordo das partes até cumprimento da obrigação. Interesse de agir. Presença.

1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 27/07/2023, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 27/06/2024 e concluso ao gabinete em 23/08/2024.

2. O propósito recursal consiste em definir se é possível suspender a execução de título extrajudicial até cumprimento integral de transação – realizada antes da citação do executado e na qual as partes concordaram com o sobrestamento condicionado ao referido cumprimento – sem caracterizar perda superveniente do interesse de agir do exequente no prosseguimento da execução.

3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

4. A lei processual permite às partes a celebração de negócio jurídico processual, que pode envolver modificação de prazos ou mesmo a suspensão do andamento do feito.

5. A suspensão do trâmite possui limitação temporal a depender do tipo de processo, podendo as partes convencionarem a suspensão do feito – no âmbito do processo de conhecimento – por até seis meses, ou – em processo de execução – até o fim do prazo para cumprimento da obrigação constituída no acordo. Precedentes.

6. O interesse de agir decorrente da celebração de negócio jurídico processual de suspensão de processo executivo está no incentivo ao cumprimento do acordo pela parte contra a qual a condição de retomada do curso da ação corre – i.e., o devedor e executado – além da preservação do crédito exequendo no seu montante original e seus consectários decorrentes do reestabelecimento da mora quanto ao título extrajudicial original.

7. Hipótese em que o Tribunal de Origem entendeu que a celebração de acordo entre as partes antes da citação do executado não autoriza a suspensão de execução de título extrajudicial e, consequentemente, retira o interesse do exequente no prosseguimento da execução, permitindo a extinção do feito sem julgamento de mérito por ausência do referido pressuposto processual.

8. A simples notícia de acordo firmado entre as partes, em princípio, não implica em suspensão automática do curso processual, salvo se houver no acordo a celebração de negócio jurídico processual específico do sobrestamento do processo, sendo irrelevante o fato de o acordo ter sido celebrado antes da citação do executado.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão provido, para determinar a remessa dos autos ao juízo de 1º grau, para fins de análise dos requisitos legais para a homologação do acordo firmado entre as partes e, caso positivo, determinar o sobrestamento da execução até o fim do prazo concedido pelo exequente para o executado cumprir a obrigação.

 

PROCESSO 03

Dados do Processo
REsp n. 2159442-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgado em 24/09/2024, Dje. 27/09/2024.

Destaque
A Terceira Turma do STJ reconheceu a validade jurídica de assinaturas eletrônicas certificada por pessoa jurídica de direito privado não credenciada pela ICP-Brasil, assinalando que a indicada assinatura equivale ao reconhecimento de firma por autenticidade e somente pode ser contestada pelas partes da relação processual.

Ementa
Recurso especial. Processual civil. Ação de busca e apreensão. Indeferimento inicial. Extinção. Cédula de crédito bancária. Endosso. Emissão e assinatura eletrônicos. Validação jurídica de autenticidade e integridade. Entidade autenticadora eleita pelas partes sem credenciamento no sistema ICP-Brasil. Possibilidade. Assinatura eletrônica. Modalidades. Força probante. Juiz. Impugnação de ofício. Inviabilidade. Ônus das partes.

1. Ação de busca e apreensão, ajuizada em 14/10/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/03/2024 e concluso ao gabinete em 02/08/2024.

2. O propósito recursal consiste em saber se é possível elidir presunção de veracidade de assinatura eletrônica, certificada por pessoa jurídica de direito privado, pelo simples fato de a entidade não ser credenciada na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Interpretação do art. 10, § 2º, da MPV 2200/2001.

3. A intenção do legislador foi de criar níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas (em suas modalidades simples, avançada ou qualificada), conforme o método tecnológico de autenticação utilizado pelas partes, e – ao mesmo tempo – conferir validade jurídica a qualquer das modalidades, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontades entre os particulares.

4. O reconhecimento da validade jurídica e da força probante dos documentos e das assinaturas emitidos em meio eletrônico caminha em sintonia com o uso de ferramentas tecnológicas que permitem inferir (ou auditar) de forma confiável a autoria e a autenticidade da firma ou do documento. Precedentes.

5. O controle de autenticidade (i.e., a garantia de que a pessoa quem preencheu ou assinou o documento é realmente a mesma) depende dos métodos de autenticação utilizados no momento da assinatura, incluindo o número e a natureza dos fatores de autenticação (v.g., “login”, senha, códigos enviados por mensagens eletrônicas instantâneas ou gerados por aplicativos, leitura biométrica facial, papiloscópica, etc.).

6. O controle de integridade (i.e., a garantia de que a assinatura ou o conteúdo do documento não foram modificados no trajeto entre a emissão, validação, envio e recebimento pelo destinatário) é feito por uma fórmula matemática (algoritmo) que cria uma “impressão digital virtual” cuja singularidade é garantida com o uso de criptografia, sendo a função criptográfica “hash” SHA-256 um dos padrões mais utilizados na área de segurança da informação por permitir detecção de adulteração mais eficiente, a exemplo do denominado “efeito avalanche”.

7. Hipótese em que as partes – no legítimo exercício de sua autonomia privada – elegeram meio diverso de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, com uso de certificado não emitido pela ICP-Brasil, tendo o Tribunal de Origem considerado a assinatura eletrônica em modalidade avançada insuficiente para evitar abuso ou fraude apesar de constar múltiplos fatores de autenticação, constantes do relatório de “logs” gerado na emissão dos documentos e das assinaturas eletrônicos.

8. A refutação da veracidade da assinatura eletrônica e dos documentos sobre os quais elas foram eletronicamente apostas – seja no aspecto de sua integridade, seja no aspecto de sua autoria – deve ser feita por aquele a quem a norma do art. 10, § 2º, da MPV 20200/2001 expressamente se dirigiu, que é a “pessoa a quem for oposto o documento”, que é a mesma pessoa que admite o documento como válido (i.e., o destinatário). Essa é, aliás, a norma do art. 411, I, do CPC, ao criar a presunção de autenticidade do documento particular quando a parte contra quem ele for produzido deixar de impugná-lo.

9. A pessoa a quem o legislador refere é uma das partes na relação processual (no caso de execução de título de crédito, o emitente, o endossante ou o endossatário), o que – por definição – exclui a pessoa do juiz, sob pena de se incorrer no tratamento desigualitário, vetado pela norma do art. 139, I, do CPC.

10. A assinatura eletrônica avançada seria o equivalente à firma reconhecida por semelhança, ao passo que a assinatura eletrônica qualificada seria a firma reconhecida por autenticidade – ou seja, ambas são válidas, apenas se diferenciando no aspecto da força probatória e no grau de dificuldade na impugnação técnica de seus aspectos de integridade e autenticidade.

11. Negar validade jurídica a um título de crédito, emitido e assinado de forma eletrônica, simplesmente pelo fato de a autenticação da assinatura e da integridade documental ter sido feita por uma entidade sem credenciamento no sistema ICP-Brasil seria o mesmo que negar validade jurídica a um cheque emitido pelo portador e cuja firma não foi reconhecida em cartório por autenticidade, evidenciando um excessivo formalismo diante da nova realidade do mundo virtual. 12. Recurso especial conhecido e provido para determinar a devolução dos autos à origem a fim de que se processe a ação de busca e apreensão.

 

PROCESSO 04

Dados do Processo
REsp 2.061.973-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 2/10/2024, Dje. 07/10/2024 (Tema 1235).

Destaque
A Corte Especial do STJ decidiu que a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários-mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser alegada pelo executado no primeiro momento em que lhe couber, sob pena de preclusão.

Ementa
Processual civil. Recurso especial. Julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Tema 1235/STJ. Ação de execução fiscal. Determinação de bloqueio de valores em contas do executado. Ausência de manifestação do executado. Impenhorabilidade de saldo inferior a 40 salários mínimos. Reconhecimento de ofício pelo juiz. Impossibilidade. Art. 833, X, do CPC. Regra de direito disponível que não possui natureza de ordem pública. Necessidade de alegação tempestiva pelo executado.

Interpretação sistemática dos ARTS. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, E § 5º, 525, IV, E 917, II, DO CPC.

1. Ação de execução fiscal, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/3/2023, concluso ao gabinete em 18/12/2023 e afetado ao rito dos repetitivos por acórdão publicado em 8/3/2024.

2. O propósito recursal, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, é “definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz” (Tema 1235/STJ).

3. Na égide do CPC/1973, a Corte Especial deste STJ, nos EAREsp 223.196/RS, pacificou a divergência sobre a interpretação do art. 649, fixando que a impenhorabilidade nele prevista deve ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão, afastando o entendimento de que seria uma regra de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz, sob o argumento de que o dispositivo previa bens “absolutamente impenhoráveis”, cuja inobservância seria uma nulidade absoluta.

4. O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra “absolutamente” no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II).

5. Quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz, o fez de forma expressa, como no § 1º do art. 854 do CPC, admitindo que o juiz determine, de ofício, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado, não havendo previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade.

6. A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade.

7. Assim, o Código de Processo Civil não autoriza que o juiz reconheça a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, de ofício, pelo contrário, atribui expressamente ao executado o ônus de alegar tempestivamente a impenhorabilidade do bem constrito, regra que não tem natureza de ordem pública. Interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC.

8. Fixa-se a seguinte tese, para os fins dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC: “A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão”.

9. No recurso sob julgamento, o Juízo, antes de ouvir o executado, ao determinar a consulta prévia por meio do SISBAJUD, na forma do art. 854 do CPC, pré-determinou, de ofício, o desbloqueio de quantias que sejam inferiores a 40 salários mínimos, reconhecendo que qualquer saldo abaixo desse limite seria impenhorável, por força do art. 833, X, do CPC.

10. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a possibilidade de bloqueio dos valores depositados em contas dos executados, ficando eventual declaração de impenhorabilidade, na forma do art. 833, X, do CPC, condicionada à alegação tempestiva pelos executados (arts. 854, § 3º, II, e 917, II, do CPC).