Autor:
Bianca Pires
24 jun 2021
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento, nos termos do voto da Relatora Ministra Nancy Andrighi, por maioria, após pedido de vista do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao Recurso Especial nº 1.832.371/MG. Trata-se de Recurso Especial interposto pelo Biocor Hospital de Doenças Cardiovasculares LTDA em que pretendia ver reconhecido seu direito de chamar médicos sem vínculo de emprego e/ou preposição com a instituição para responderem por ação de responsabilização civil por danos decorrentes de eventual erro médico, mediante denunciação da lide, intervenção de terceiros prevista no art. 125 e seguintes do Código de Processo Civil/2015.
Em seu voto, a Ministra relatora deu provimento ao Recurso, destacando que, em que pese a Corte Superior tenha assentado posição de impossibilidade de denunciação à lide em relações de consumo, de acordo com o art. 88 do Código de Defesa do Consumidor, as razões peculiares dos autos permitem a excepcionalidade dessa regra. Remetendo-se, em seu voto, ao entendimento da própria Corte, elencou, como premissas, (i) responsabilidade objetiva do hospital por falhas no serviço relacionados ao aparato material fornecido, chamados como serviços auxiliares de sua própria atividade pela Ministra, (ii) responsabilidade solidária do hospital por atos praticados por médicos a ele vinculados sob qualquer pretexto, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, e (iii) responsabilidade exclusiva do profissional médico não vinculado ao hospital por ato técnico na assistência médica direta (art. 14, § 4º).
Ato contínuo, expôs que a ausência dos médicos na relação processual impõe ao hospital um ônus excessivo, eis que, para o exercício de sua ampla defesa e contraditório, seria necessário adentrar e defender atos de terceiros, especialmente porque, no caso, tratava-se de procedimento cirúrgico cardíaco de alta especialidade. Em contraponto, a admissão dos médicos no polo passivo por intermédio da denunciação da lide tornaria possível a efetiva comprovação da (in)existência do vínculo entre o hospital e os profissionais responsáveis pela cirurgia da Autora, condição esta que, de acordo com os precedentes invocados pela Relatora, qualifica-se imprescindível para que se possa falar em responsabilidade civil da entidade hospitalar.
A relatora também ponderou que, na fase postulatória, quando ainda não há dilação probatória, ainda não se sabe ao certo o que contribuiu para os danos alegados pela Autora na petição inicial. Portanto, com a finalidade de assegurar o resultado prático da demanda, a partir do debate acerca da culpa dos profissionais e da natureza da relação entre os médicos que prestaram assistência médica direta à Autora e o hospital, deve-se admitir a denunciação da lide na relação de consumo em caráter excepcional. Suscitou, ainda, a importância da mitigação do risco de prolação de decisões contraditórias se houvesse a distribuição de mais de uma ação para apuração dos mesmos fatos, bem como os princípios da economia e celeridade processuais, haja vista a resolução da lide em tempo inferior ao da distribuição de mais de uma ação para perquirição da responsabilidade por suposta falha médico-hospitalar.
Em divergência, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino exarou voto-vista, opinando pelo desprovimento do recurso, por entender que a discussão sobre a culpa dos médicos não possui relevância nos autos em questão, pois a responsabilidade do hospital seria objetiva em virtude de defeitos no serviço prestado, mostrando-se desnecessária a avaliação da responsabilidade subjetiva dos médicos, o que poderia ser objeto de ação de regresso eventualmente ajuizada pelo nosocômio.
Em seguida, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou a relatora, a partir dos mesmos fundamentos por ela apresentados. O Ministro Marco Aurélio Bellizze também acompanhou a relatora, uma vez que, no caso dos autos, há dúvidas sobre a origem do dano provocado à consumidora, sendo relevante o ingresso dos médicos para o respectivo esclarecimento. Por fim, o Ministro Moura Ribeiro votou no sentido de seguir a divergência aberta pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, pois fundamentou que a inclusão dos profissionais traria menor celeridade ao curso processual dos autos.
Os votos e o acórdão ainda não foram disponibilizados no portal oficial do Superior Tribunal de Justiça.
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