Autor: Pedro Costa
10 maio 2024

Confira a edição de abril de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Direito Administrativo.

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PROCESSO 01

Dados do Processo
STF – Reclamação 2186 DF, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 15/04/2024, DJe 17/04/2024.

Destaque
A norma mais benéfica instituída pela Lei 14/230/2021, que revogou a modalidade culposa prevista no artigo 10 da lei de improbidade administrativa, não é retroativa e não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada.

Ementa
Questão de ordem na reclamação. Fato superveniente. Julgamento pelo plenário do tema 1.199 da repercussão geral. Re 843.989. Ato de improbidade administrativa. Art. 10, vi, da lei 8.429/1992. Realização de operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares. Modalidade culposa. Revogação pela lei 14.230/2021. Retroatividade aos processos sem sentença transitada em julgado. Reclamação julgada procedente para extinguir, sem resolução de mérito, as ações em que proferidas os atos reclamados.

1. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo em todas as hipóteses a presença do elemento subjetivo do tipo DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º.

2. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA.

3. Na hipótese em que a conduta atribuída aos Reclamantes se enquadrava no artigo 10, IV, da Lei 8.429/1992 (realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea), em sua modalidade culposa, aplicável a inovação legislativa trazida pela Lei 14.230/2021, ante a ausência de trânsito em julgado na instância ordinária.

4. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, § 4º).

5. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador.

6. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.

7. Questão de ordem resolvida no sentido de aplicar o tema 1.199 da repercussão geral à presente hipótese e, consequentemente, julgar procedente a reclamação, determinando a extinção sem resolução do mérito dos processos 95.00.20884-9 (22ª Vara Federal de São Paulo) e 96.00.01079-0 (20ª Vara Federal de São Paulo).

 

PROCESSO 02

Dados do Processo
STF – Reclamação 63416, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 09/04/2024. Dje 18/04/2024.

Destaque
É cabível reclamação para discutir a repercussão de controle abstrato de constitucionalidade sobre situações concretas por ele alcançadas.

Ementa
Agravo regimental na reclamação. Direito constitucional e direito administrativo. Alegada nulidade por falta de citação da parte beneficiária. Não ocorrência. Ausência de prejuízo. Ato administrativo com fundamento na adi nº 4.545. Suspensão do pagamento de aposentadorias e pensões. Diferenciação entre o efeito da decisão no plano normativo e no plano do ato singular. Segurança jurídica e princípio da proteção da confiança legítima. Procedência do pedido.

1. Reclamação ajuizada contra ato administrativo do Governador do Estado do Paraná que determinou a suspensão do pagamento de aposentadorias e pensões com fundamento na ADI nº 4.545. É possível discutir em Reclamação a repercussão de pronunciamento em controle abstrato de constitucionalidade sobre situações concretas por ele alcançadas.

2. A eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade não opera uma depuração total de todos os atos praticados com fundamento na lei inconstitucional, mas cria as condições para a eliminação dos atos singulares suscetíveis de revisão ou de impugnação, observadas as fórmulas de preclusão constantes no ordenamento jurídico.

3. A distinção entre norma declarada inconstitucional e ato singular permite que o Poder Judiciário avalie, nas circunstâncias de cada caso concreto, a viabilidade de atos legitimados pelo Estado por períodos significativos.

4. Necessidade, no caso, de mitigação dos efeitos dos atos inconstitucionais em prol da segurança jurídica. Impossibilidade de se suprimir os benefícios recebidos de boa-fé por longo período de tempo em razão da incidência do princípio da confiança legítima.

5. Procedência do pedido para cassar o ato reclamado e determinar o imediato restabelecimento do pagamento dos benefícios concedidos aos reclamantes.