Autor: Pedro Costa
06 set 2024

Confira a edição de agosto de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Direito Administrativo.

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PROCESSO 01

Dados do Processo
Acórdão n. 1204/2024 – Plenário. Representação (REPR) nº. 038.166/2023-2, Rel. Vital do Rêgo.

Destaque
É irregular a desclassificação de proposta por erros formais ou por vícios sanáveis mediante diligência, em face dos princípios do formalismo moderado e da seleção da proposta mais vantajosa para Administração.

Tema
Representação acerca de possíveis irregularidades em procedimento licitatório, na modalidade convite, realizado pelo departamento regional do Senai no Estado de Santa Catarina (senai/sc). Medida cautelar referendada pelo plenário. Procedência. Confirmação do fundamento da medida cautelar. Determinação para anulação do ato de desclassificação da melhor oferta.

Questão controvertida
Trata-se de representação, com pedido de medida cautelar, acerca de possíveis irregularidades no Convite 511/2023/Senai, do tipo menor preço global, estimado em R$ 983.758,43, realizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Departamento Regional de Santa Catarina (Senai/SC) para a contração de serviços de reforma e construção da unidade localizada no município de Caçador/SC.

Foi apontada a desclassificação da empresa Traços Serviços Ltda., que, apesar de ter apresentado a proposta de menor preço para uma contratação de empresa de construção civil, teria sido desclassificada por motivos formais.

Diante da constatação do perigo da demora – a iminência de formalização do contrato, dificultando ou impossibilitando a reparação de eventuais irregularidades – e da não demonstração do perigo na demora reverso, foi concedida medida cautelar com determinação ao Senai/SC para que suspendesse imediatamente o andamento do Convite 511/2023/Senai até que o TCU delibere sobre o mérito da matéria, devendo a entidade se abster de praticar qualquer ato com vistas à execução de eventual contrato já assinado.

A decisão cautelar foi referendada conforme Acórdão 36/2024-TCU-Plenário.

Realizadas as oitivas do Departamento Regional do Senai no Estado de Santa Catarina e da empresa individual então vencedora – Patrício Charles de Proença -, a Unidade de Auditoria Especializada em Contratações (AudContratações) concluiu que todos os motivos que ensejaram a desclassificação da proposta da empresa Traços Serviços foram meramente formais, passíveis de correção por meio de diligência, com entendimento pela irregularidade na condução do Convite 511/2023 pelo Senai/SC.

A unidade técnica ponderou que a desclassificação de proposta em razão de falhas e/ou impropriedades que possam ser sanadas mediante a realização de diligência afronta os princípios do formalismo moderado, da obtenção da proposta mais vantajosa, da economicidade, do interesse público e da eficiência, entre outros, e a jurisprudência deste Tribunal.

Nesse contexto, encaminhou proposta de determinação para anulação do ato que desclassificou a empresa Traços Serviços Ltda. no âmbito do Convite 511/2023, bem como dos atos subsequentes, e retorno à fase imediatamente anterior.

Desde já me alinho às conclusões da AudContratações, cuja manifestação adoto como minhas razões de decidir, sem prejuízo dos esclarecimentos que se seguem.

Estamos diante de caso em que devem ser sopesados o princípio do formalismo moderado e o da busca pela proposta mais vantajosa, evitando desclassificações por motivos meramente formais.

Conforme apurado, a proposta figurada em primeiro lugar quanto ao preço foi no valor de R$ 844.019,04 (Traços Serviços Ltda.), enquanto a da empresa declarada vencedora foi de R$ 957.513,16 (firma individual Patrício Charles de Proença), ou seja, R$ 113.494,12 ou 11,85% a maior.

Contudo, nas respostas às oitivas realizadas, o Senai/SC não se manifestou expressamente acerca da irregularidade respectiva à desclassificação da proposta da empresa Traços Serviços Ltda., então classificada em primeiro lugar, por motivos formais, passíveis de correção mediante diligência. Isso já havia acontecido na oitiva prévia, realizada em novembro de 2023, para a qual a entidade não apresentou alegações acerca dos indícios de irregularidade identificados, limitando-se a fazer um resumo do certame e juntar o edital e os recursos interpostos com seus respectivos julgamentos.

A desclassificação da empresa que apresentou o menor preço foi fundamentada na não apresentação do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (PGDAS) da última competência (item 6.8.3 do edital – peça 15, p. 11) e na apresentação de informações que deveriam constar do Plano Geral de Trabalho em local diverso.

No que se refere à declaração do PGDAS “do último mês”, conforme o item 6.8.3 do edital, o seu propósito era permitir a comprovação da veracidade dos “percentuais de ISS, PIS e Cofins discriminados na composição do BDI” da licitante.

Conforme já avaliado quando da concessão da medida cautelar, o lapso cometido pela Traços Serviços Ltda., ao não entregar o documento no momento próprio, era facilmente remediável, haja vista a possibilidade de sua rápida obtenção via internet, tanto que a licitante logo o fez juntar no recurso administrativo.

Na mesma linha, o item 6.10 do edital exigiu das licitantes a elaboração do Plano Geral de Trabalho, no modelo do Anexo XI, dentro do qual deveriam descrever “onde será colocado o canteiro de obras, onde ficará cada atividade, quais documentos estarão dispostos e um layout deste”, bem como fazer a “identificação e quantificação das máquinas e equipamentos”, fora outros requisitos. Embora possam ser razoáveis as exigências, a indicação do local do canteiro e da quantificação das máquinas constituíam informações sem nenhuma repercussão na planilha orçamentária das propostas e no critério de julgamento (menor preço), também supríveis, na sua falta, por simples questionamento à licitante.

A vinculação ao instrumento convocatório deve assegurar a segurança do certame, bem como os direitos dos licitantes, de forma que não haja espaços para arbitrariedades ou escolhas de licitantes por regras não estabelecidas no edital. Ao mesmo tempo, cabe à Administração a busca pela proposta mais vantajosa dentro das regras do edital e sem julgamentos subjetivos.

No entanto, neste caso concreto, em que pese o alegado respeito às regras do processo licitatório, a jurisprudência deste Tribunal é firme e pacífica no sentido de que, no curso de procedimentos licitatórios, a entidade deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos licitantes, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos licitantes:

Não se desclassifica propostas de licitante pelo descumprimento de exigências pouco relevantes, em respeito ao princípio do formalismo moderado e da obtenção da proposta mais vantajosa à Administração. Acórdão 11907/2011-TCU-Segunda Câmara, Relator: Ministro-Substituto Augusto Sherman

O disposto no caput do art. 41 da Lei 8.666/1993, que proíbe a Administração de descumprir as normas e o edital, deve ser aplicado mediante a consideração dos princípios basilares que norteiam o procedimento licitatório, dentre eles o da seleção da proposta mais vantajosa. Acórdão 3381/2013-TCU-Plenário, Relator: Ministro Valmir Campelo

No próprio edital, em seus itens 7.12 e 7.14, foram dados à Comissão de Licitação os poderes de “realizar diligência” e “solicitar aos fornecedores informações adicionais sobre as propostas apresentadas”, os quais deveriam ter sido exercidos em defesa da economicidade da contratação, a se sobrepor a formalidades sanáveis.

Esse rigor excessivo tolheu o Senai/SC de obter a proposta mais vantajosa economicamente pela priorização de aspectos formais que não têm o condão de interferir na planilha orçamentária das propostas ou no critério de julgamento (menor preço).

De todo o exposto, conheço da representação e, caracterizada irregularidade na condução do Convite 511/2023 pelo Senai/SC, verifica-se a necessidade de anulação do ato que desclassificou a empresa Traços Serviços Ltda., bem como dos atos subsequentes, e retorno à fase imediatamente anterior.

 

PROCESSO 02

Dados do Processo
ADI 5597, Rel. Min Nunes Marques, Tribunal Pleno, julgado em 26.08.2024, DJe 28.08.2024

Destaque
É compatível com a Constituição Federal de 1988 — e não ofende o seu art. 37, XXII — norma de lei estadual que dispõe integrarem a administração tributária as atividades de competência dos cargos de provimento efetivo da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) local.

Tema
Direito administrativo. Administração tributária. Carreiras específicas. Servidor público. Regime jurídico. Reestruturação da máquina pública. Auditores fiscais.

Questão controvertida

Na espécie, não há se falar em equiparação das carreiras da Sefaz amazonense. A expressa menção ao termo “administração tributária” não sugere a ideia de que todos os servidores do órgão podem executar atos administrativos nela definidos como próprios e exclusivos do cargo de auditor fiscal de tributos estaduais. A própria legislação impugnada, em outros dispositivos, encarrega-se de descrever o conjunto de atribuições e responsabilidades dos cargos e das carreiras do respectivo órgão.

O texto constitucional, ao disciplinar as chamadas “administrações tributárias”, prescreve que as atividades essenciais ao funcionamento do Estado serão exercidas por servidores de carreiras específicas (1). Ele não define, entretanto, quais são as “atividades essenciais” ou as “carreiras específicas” e não faz qualquer alusão à carreira de auditor fiscal de tributos estaduais.

Relativamente ao cargo de “Técnico de Arrecadação de Tributos Estaduais”, posteriormente designado “Controlador de Arrecadação da Receita Estadual”, observa-se que as atividades descritas na norma são diferentes das do cargo de auditor fiscal: aquele não possui, por exemplo, incumbências relacionadas à gestão tributária — entre as quais se destaca a constituição de crédito tributário —, mas apenas os encargos relacionados à gestão da arrecadação.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação e, nessa extensão, a julgou improcedente para declarar compatíveis com a Constituição Federal de 1988 as seguintes disposições da Lei nº 2.750/2002 do Estado do Amazonas: (i) o art. 3º-A (2), incluído pela Lei amazonense nº 3.500/2010; e (ii) o texto “NÍVEL SUPERIOR COMPLETO – CONTROLADOR DE ARRECADAÇÃO DA RECEITA ESTADUAL – DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES: Encargos de gestão da arrecadação, referente às atividades de controle e auditoria na rede arrecadadora, execução e controle de processos de arrecadação, cadastro, cobrança administrativa, serviço administrativo do desembaraço de documentos fiscais e atendimento especializado ao público” constante do Anexo II (3), na redação dada pela Lei amazonense nº 5.994/2022.

 

(1) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.”

(2) Lei nº 2.750/2002 do Estado do Amazonas: “Art. 3º A. As atividades de competência dos cargos de provimento efetivo da Secretaria de Estado da Fazenda integram a Administração Tributária, atividade essencial ao funcionamento do Estado, desempenhada no âmbito do Estado do Amazonas pela SEFAZ.” (incluído pela Lei nº 3.500/2010 do Estado do Amazonas)

(3) Anexo II da Lei nº 2.750/2002 do Estado do Amazonas: “REQUISITOS DE QUALIFICAÇÃO MÍNIMA E DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES (…) QUALIFICAÇÃO MÍNIMA: NÍVEL SUPERIOR COMPLETO – CARGO: CONTROLADOR DE ARRECADAÇÃO DA RECEITA ESTADUAL – DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES: Encargos de gestão da arrecadação, referente às atividades de controle e auditoria na rede arrecadadora, execução e controle de processos de arrecadação, cadastro, cobrança administrativa, serviço administrativo do desembaraço de documentos fiscais e atendimento especializado ao público.” (redação dada pela Lei nº 5.994/2022 do Estado do Amazonas)