Confira a edição de outubro de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Direito Administrativo.
Para manter os clientes e contatos atualizados, a equipe reúne mensalmente os principais casos julgados nos Tribunais.
PROCESSO 01
Dados do Processo
TCU Acórdão 2107/2024, Rel. Vital do Rêgo, Plenário, julgado em 09/10/2024.
Destaque
A desclassificação de propostas de licitante com base em interpretações restritivas das cláusulas do edital, afronta os arts. 1º, §1, IV, 3º e 24 da Lei 12.462/2011, vigente à época do certame, em relação aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, competitividade, bem como a busca pela proposta mais vantajosa para a administração pública
Tema
Auditoria de conformidade que teve como objetivo avaliar a legalidade da utilização dos recursos públicos destinados à construção do Hospital do Câncer de Aracaju/SE.
Questão controvertida
Cinge-se a controvérsia acerca da legalidade na desclassificação de licitante em processo licitatório, em julgado assim ementado:
“Auditoria. Obras de construção do hospital do câncer de Aracaju/SE. Fiscobras. Contrato de repasse. Desclassificação indevida de licitante. Utilização inadequada do julgamento de técnica e preço. Ciência aos órgãos e entidades envolvidos.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de auditoria de conformidade nas obras de construção do Hospital do Câncer de Aracaju/SE;
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução TCU 315/2020, em:
9.1. dar ciência à Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas de Sergipe e à Secretaria de Saúde do Estado de Sergipe sobre as seguintes falhas encontradas na licitação do Hospital do Câncer de Aracaju, para que sejam adotadas medidas internas com vistas a prevenir a ocorrência de outras semelhantes:
9.1.1. a desclassificação de propostas de licitante com base em interpretações restritivas das cláusulas do edital, o que afronta os arts.1º, §1º, inciso IV, 3º e 24 da Lei 12.462/2011, vigente à época do certame, em relação aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, competitividade, bem como a busca pela proposta mais vantajosa para a administração pública;
9.1.2. a presença de cláusulas no edital sem clareza e objetividade, o que afronta os art. 3º da Lei 12.462/2011, vigente à época do certame, em relação aos princípios da isonomia e do julgamento objetivo das propostas;
9.1.3. a utilização do critério de julgamento técnica e preço sem o estabelecimento de parâmetros objetivos para valoração das propostas técnicas, baseando-se apenas na experiência anterior das licitantes, o que infringe os arts. 9º, § 3º, e 20, § 1º, incisos I e II, ambos da Lei 12.462/2011, vigente à época do certame, bem como a jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 1.510/2023, 1.167/2014, 1.388/2016 e 622/2018, todos exarados pelo Plenário desta Corte de Contas
9.2. notificar os órgãos e entidades sobre o teor deste acórdão.”
PROCESSO 02
Dados do Processo
TCU Acórdão 2118/2024, Rel. Benjamin Zymler, Plenário, julgado em 09.10.2024
Destaque
A ausência da perfeita descrição do objeto contratado, consubstanciada pela disponibilização de projeto básico na licitação sem todos os elementos exigidos no art. 6º, inciso XXV, alíneas “a”, “b”, “d”, “e” e “f”, da Lei 14.133/2021, viola o princípio do melhor resultado licitatório.
Tema
Representação a respeito de possíveis irregularidades ocorridas em concorrência que teve por objeto a seleção de empresa especializada para prestação de serviços de pavimentação e saneamento de vias urbanas.
Questão controvertida
Cinge-se a controvérsia acerca da legalidade de edital de licitação, em julgado assim ementado:
“Representação. Município de Irecê/BA. Ministério das cidades. Contrato de repasse. Obras de pavimentação e saneamento de vias urbanas. Projeto incompleto. Ausência de memoriais de quantitativos. Licitação presencial, sem motivação. Ausência de justificativas para inversão da fase habilitatória. Critérios subjetivos para análise de habilitação técnica. Oitiva. Defesa insuficiente para afastar os indícios de irregularidade no edital. Prejuízo efetivo ao princípio do melhor resultado licitatório. Determinação para o exato cumprimento da lei. Anulação da concorrência. Ciências. Comunicações.
Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação formulada pela Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Urbana e Hídrica (AudUrbana), com amparo no art. 237, inciso V, do Regimento Interno do TCU, a respeito de possíveis irregularidades ocorridas na Concorrência 3/2024, tendo por objeto a seleção de empresa especializada para “prestação de serviços de pavimentação e saneamento de vias urbanas no município de Irecê/BA”,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator, em:
9.1. fixar o prazo de 15 (quinze) dias ao Município de Irecê/BA, com fundamento no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, c/c o art. 71, inciso III, da Lei 14.133/2021, o art. 45, caput, da Lei 8.443/1992 e o art. 251, caput, do Regimento Interno do TCU, para que adote as medidas necessárias ao exato cumprimento da lei, consistente na anulação da Concorrência 3/2024, bem como dos eventuais atos dele decorrentes, em face do descumprimento dos seguintes requisitos legais:
9.1.1. ausência da perfeita descrição do objeto contratado, consubstanciada pela disponibilização de projeto básico na licitação sem todos os elementos exigidos no art. 6º, inciso XXV, alíneas “a”, “b”, “d”, “e” e “f”, da Lei 14.133/2021, a exemplo de: ausência de indicação dos locais exatos dos trechos que receberão o piso intertravado; divergência de quantitativos entre o quadro de projetos e ruas com as quantidades da planilha orçamentária; ausência de elementos necessários e suficientes para aferição dos quantitativos de pavimento; e omissão na localização e respectivo memorial de cálculo da localização de jazidas, identificação dos bota-fora e respectivas distâncias de transporte, com respectivos reflexos no orçamento;
9.2. dar ciência ao Município de Irecê/BA, com fundamento no art. 9º da Resolução-TCU 315/2020, que:
9.2.1. não se observou a aplicação do BDI diferenciado, mais baixo que o aplicável aos demais itens do orçamento, nos termos do subitem 9.2.1 do Acórdão 2622/2013-TCU-Plenário, para os itens de fornecimento de materiais natureza específica, que possam ser fornecidos por empresas com especialidades próprias e diversas e que representem percentual significativo do preço global da obra, a exemplo do bloquete necessário para a execução do serviço “Execução de pavimento em piso intertravado, com bloco 16 faces de 22 x 11 cm, espessura 8 cm. af_10/2022”, responsável por mais de 23% da obra, tal qual prescreve a Súmula 253/2010 do TCU;
9.2.2. não consta do processo licitatório os memoriais de cálculo e respectivos documentos de suporte das quantidades de todos os serviços objeto da Concorrência 3/2024, em desacordo com o princípio da motivação (art. 5º da Lei 14.133/2021) e com o art. 50 da Lei 9.784/1997;
9.2.3. não houve justificativa suficiente para amparar a inversão de fases da habilitação (art. 17, § 1º, da Lei 14.133/2021), em desacordo com o princípio da motivação intitulado no art. 5º da Nova Lei de Licitações e Contratos;
9.2.4. não atende a motivação necessária para justificar o afastamento da licitação eletrônica, preferencialmente adotada, consoante expresso no art. 17, § 2º, da Lei 14.133/2021, os seguintes argumentos apresentados pela municipalidade, à peça 28, uma vez que não são amparadas em lei ou na demonstração de contribuição para a oferta da proposta mais vantajosa, bem como poderem ser 2024também providas em ambiente eletrônico: interação mais direta com os participantes, para lhes sanear dúvidas quanto à verificação dos documentos, contribuindo para a isonomia; reforço de transparência do processo licitatório, com incremento da confiança, em face da verificação direta dos documentos oferecidos; natureza específica das obras de pavimentação, com necessidade de avaliação técnica detalhada, inspeções frequentes e precisas em razão das especificidades do objeto; e dificuldade de alguns municípios em prover internet de qualidade;
9.2.5. existiu subjetividade no critério de comprovação da habilitação técnica, em prejuízo ao princípio do julgamento objetivo e ao disposto nos arts. 5º e 67, incisos I e II, da Lei 14.133/2021;
9.3. determinar ao Município de Irecê/BA, com fundamento no art. 157, caput, do Regimento Interno do TCU, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, informe a este Tribunal sobre o cumprimento das medidas determinadas no subitem 9.1 supra;
9.4. informar ao Município de Irecê/BA o inteiro teor desta decisão.”
PROCESSO 03
Dados do Processo
REsp 2173088/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 08.10.2024. Dje 11.10.2024
Destaque
Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista ou empresa pública não podem ser objeto de usucapião quando sujeitos à destinação pública.
Tema
Usucapião extraordinário em imóvel pertencente à sociedade de economia mista.
Questão controvertida
Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de usucapião extraordinário em imóvel pertencente à sociedade de economia mista, em julgado assim ementado:
Civil e processual civil. Recurso especial. Ação de usucapião extraordinária. Negativa de prestação jurisdicional. Cerceamento do Direito de defesa. Inexistência. Imóvel pertencente à sociedade de economia mista. Bem destinado à prestação de serviço público essencial. Imóvel público. Impossibilidade de usucapião.
1. Ação de usucapião extraordinária, da qual se extai o recurso especial, interposto em 17/5/2023 e concluso ao Gabinete em 27/9/2024.
2. O propósito recursal é, além de decidir sobre a verificação de negativa de prestação jurisdicional e de cerceamento do direito de defesa, definir se: a) há possibilidade de usucapião de imóvel de sociedade de economia mista, e; b) em ação de usucapião acompanhada de pedido de manutenção da posse, é cabível pedido de reintegração de posse formulado na contestação pela sociedade de economia mista.
3. Inexiste ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC, quando as matérias impugnadas foram enfrentadas de forma fundamentada no julgamento da apelação. Precedentes.
4. Não se verifica restrição ao direito de defesa diante do julgamento antecipado da lide que, de forma fundamentada, resolve a causa sem a produção da prova requerida pela parte em virtude da suficiência dos documentos dos autos. Precedentes.
5. Constata-se a falta de interesse de agir recursal quando um dos pedidos formulados no recurso especial se mostra inócuo e incapaz de produzir os resultados pretendidos pela parte recorrente, o que acarreta, quanto a tal pedido, a impossibilidade de conhecimento do recurso.
6. Conforme entendimento do STJ, diante do CPC/15, “o oferecimento de reconvenção passou a ser feito na própria contestação, sem maiores formalidades, visando garantir a razoável duração do processo e a máxima economia processual”, de modo que “a existência de manifestação inequívoca do réu qualitativa ou quantitativamente maior que a simples improcedência da demanda principal é o quanto basta para se considerar proposta a reconvenção, independentemente do nomen iuris que se atribua à pretensão” (REsp 1.940.016/PR, Terceira Turma, DJe 30/6/2021).
7. Quando a petição inicial, além do reconhecimento da usucapião, também formula pedido de manutenção da posse, é lícito ao réu apresentar, em sede de contestação, pedido de reintegração de posse, diante da incidência do art. 556 do CPC.
8. Conforme entendimento do STJ, os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista ou empresa pública não podem ser objeto de usucapião quando sujeitos à destinação pública.
9. A concepção de “destinação pública”, apta a afastar a possibilidade de usucapião de bens das empresas estatais, tem recebido interpretação abrangente por parte do STJ, de forma a abarcar, inclusive, imóveis momentaneamente inutilizados, mas com demonstrado potencial de afetação a uma finalidade pública.
10. Hipótese em que o Tribunal de origem afastou o reconhecimento da usucapião, de modo a concluir que o imóvel discutido nos autos: i) pertence a sociedade de economia mista com atuação em mercado não concorrencial; ii) está afetado a serviço público essencial (saneamento básico), e; iii) está ocupado irregular e ilicitamente pelos recorrentes.
11. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.