06 ago 2024

Confira a edição de julho de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Planejamento Sucessório e Resolução de Disputas Familiares.

Para manter os clientes e contatos atualizados, a equipe reúne mensalmente os principais casos julgados nos Tribunais.

 

PROCESSO 01

Dados do Processo
AgInt no REsp 1.992.751-CE, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2024, DJe 13/6/2024.

Destaque
Não incide imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de pensão alimentícia.

Ementa
Tributário. Agravo interno no recurso especial. Ação anulatória de débito fiscal c/c repetição de indébito. Não-incidência do imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de pensão alimentícia. Decisão agravada que, sem incorrer em julgamento extra petita, conheceu e deu provimento ao recurso especial, para cassar o acórdão recorrido, aplicando à espécie precedente vinculante do STF (ADI 5.422/DF). Agravo interno improvido.

  1. Segundo a jurisprudência firmada pelo STJ, à luz da redação original do art. 257 do RISTJ, correspondente ao atual § 5º do art. 255 do RISTJ, “não caracteriza julgamento extra petita a decisão que analisa exclusivamente matéria jurídica devolvida no apelo nobre. A adoção de fundamento estranho ao invocado pela parte recorrente é permitida, com base no art. 257 do RISTJ, uma vez que, admitido o recurso especial, aplica-se o direito à espécie” (AgRg no REsp 833.810/SC, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe de 18/12/2009). Com efeito, “admitido o recurso especial, não fica o STJ impedido de mencionar ou levar em conta outros dispositivos aplicáveis, sejam eles constitucionais, legais ou de convenções internacionais. Conhecido o recurso, o tribunal aplica o direito à espécie (artigo 257 do Regimento Interno do STJ e Súmula 456/STF)” (EDcl no REsp 840.918/DF, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 4/8/2016, DJe de 8/9/2016).
  2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.422/DF, conheceu em parte da referida ação direita, e, relativamente à parte conhecida, julgou-a procedente, de modo a dar ao art. 3º, § 1º, da Lei 7.713/88; aos arts. 4º e 46 do Anexo do Decreto 9.580/18; e aos arts. 3º, caput, e § 1º, e 4º do Decreto-lei 1.301/73, interpretação conforme a Constituição Federal para se afastar a incidência do imposto de renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias.
  3. Na presente ação anulatória de débito fiscal c/c repetição de indébito tributário, sem incorrer em julgamento extra petita, a decisão agravada conheceu e deu provimento ao recurso especial, interposto pela contribuinte autora da demanda, para, aplicando à espécie o supracitado precedente vinculante do STF, cassar o acórdão recorrido, porquanto a premissa jurídica adotada pelo Tribunal de origem divergiu da orientação firmada pelo STF, na aludida ADI 5.422/DF, na medida em que a Corte a quo entendeu que os valores recebidos pelas dependentes da contribuinte, a título de pensão alimentícia, configurariam acréscimo patrimonial sujeito à incidência do imposto de renda. Assim, deve ser confirmada a decisão agravada, pela qual o recurso especial foi conhecido e provido, a fim de que o Tribunal de origem, alinhando-se ao entendimento firmado pela Suprema Corte, prossiga no julgamento da causa, em especial porque há outras questões fático-jurídicas que ainda não foram analisadas.
  4. Agravo interno não provido.

 

PROCESSO 02

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça. Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 12/3/2024.

Destaque
É possível a fixação de verba alimentar em patamar inferior ao postulado na inicial ainda que haja o reconhecimento da revelia do réu devidamente citado e a incidência de seus efeitos consequentes.

Informações
A petição inicial reproduz o princípio dispositivo atuando como instrumento para a parte exercer seu direito de ação e, em razão disso, delimita a amplitude da matéria a ser enfrentada e o objeto da prestação jurisdicional, impondo-se que a sentença esteja vinculada ao pedido, em homenagem aos princípios da adstrição e da congruência.

Contudo, no caso de ação de alimentos, os aludidos princípios devem ser observados sob outra perspectiva em razão de suas especificidades, motivo pelo qual o magistrado da causa poderá arbitrar a verba alimentar de acordo com os elementos carreados aos autos e fora dos parâmetros estabelecidos pelo autor, mediante a observância do binômio necessidade/capacidade.

Assim, ao fixar o valor dos alimentos, o juiz deve agir segundo o seu prudente arbítrio, não ficando restrito ao pedido deduzido pelo alimentando de modo a arbitrar aquele montante capaz de fazer frente às necessidades do postulante, conjugado à capacidade de pagamento do demandado.

Por consequência lógica, esse entendimento deve ser aplicado tanto quando o magistrado arbitra a verba alimentar em patamar superior ao postulado na inicial, bem como quando a pretensão autoral é atendida em menor extensão, ou seja, os alimentos são fixados em valor inferior ao requerido na exordial, visto que o binômio necessidade/possibilidade deve nortear a fixação da verba nas ações de alimentos.

Desse modo, alinhando-se à mitigação do princípio da adstrição nas ações de alimentos, pode-se afirmar que os efeitos da revelia do réu não implicam, por si só, a fixação da pensão alimentícia no montante requerido na inicial.

Vê-se que nas ações de alimentos os efeitos da revelia do réu não se operam plenamente, haja vista se tratar de direitos indisponíveis, de maneira que a decretação da revelia do alimentante não conduz, por si só, à fixação da verba alimentar tal como postulada pelo alimentando, notadamente quando verificado que a aplicação do percentual requerido afronta a razoabilidade e a proporcionalidade, à luz das circunstâncias verificadas.

 

PROCESSO 03

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 18/3/2024.

Destaque
O cônjuge supérstite tem legitimidade para promover ação anulatória de registro de nascimento em razão de falsidade ideológica, amparada no art. 1.064 do Código Civil.

Informações
A controvérsia consiste em definir se a anulação do registro de nascimento pode ser requerida única e exclusivamente pelo pai registral, ou se outro interessado também tem legitimidade para tanto.

De acordo com o art. 1.601 do CC, a ação negatória de paternidade tem como objeto a impugnação da paternidade do filho, possuindo natureza personalíssima, isto é, legitimidade exclusiva do pai registral.

Por outro lado, o art. 1.604 do CC prevê a possibilidade de se vindicar estado contrário ao que resulta do registro civil, por meio de ação anulatória, quando demonstrada a falsidade ou o erro, não havendo falar em caráter personalíssimo da demanda anulatória. Logo, pode ser promovida por qualquer interessado, seja moralmente seja materialmente.

Portanto, deve-se reconhecer a legitimidade ativa do cônjuge viúvo para ajuizamento da ação anulatória no caso de falsidade ideológica do registro de nascimento.

Importante destacar também que será ônus do autor da ação anulatória comprovar a ocorrência da falsidade do registro civil de nascimento, mormente em decorrência da natural carga de presunção de verdade inerente ao registro, cuja desconstituição depende de prova irrefutável.

 

PROCESSO 04

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024, DJe 10/6/2024.

Destaque
Inexiste interesse processual do Ministério Público para propor ação civil pública com pedido de indenização por dano moral coletivo e dano social contra casal que teria tentado realizar “adoção à brasileira”, em detrimento do procedimento previsto no Sistema Nacional de Adoção.

Informações
A adoção direta, “à brasileira” ou intuitu personae vai de encontro aos interesses protegidos pelo Sistema Nacional de Adoção (estruturado nos termos do art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente e que tem por baliza o melhor interesse e a proteção integral da criança e do adolescente), não podendo ser incentivada, aceita ou convalidada.

No entanto, o ajuizamento de ações civis públicas na situação em análise não preenche os requisitos da utilidade e adequação para a finalidade almejada.

O Superior Tribunal de Justiça reconhece danos de natureza social. Contudo, mesmo em um juízo de cognição voltado à análise da presença das condições da ação, mais especificamente do interesse processual, o objetivo punitivo e preventivo da responsabilidade civil deve receber concretude mínima. Da mesma forma, para a configuração do dano moral coletivo, é preciso reconhecer conduta de razoável significância.

Não se perca de vista que a razão pela qual a adoção direta deve ser coibida decorre do estágio de desenvolvimento do tratamento e da proteção jurídica conferidos às crianças e aos adolescentes em situação na qual, esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa, justificada a medida excepcional da adoção.

E, nesse aspecto, a organização do chamado Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA é relativamente recente, com destaque para a Portaria Conjunta n. 4/2019, que instituiu o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA; e da Resolução n. 289/2019, que dispõe sobre a implantação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA e dá outras providências.

Não por acaso, em diversos precedentes, o Superior Tribunal de Justiça acabou por resolver situações concretas envolvendo adoções intuitu personae a partir da prevalência do princípio do melhor interesse da criança. Na mesma linha, no crime tipificado no art. 242 do Código Penal, não raras vezes, o caso concreto justificou o perdão judicial, conforme jurisprudência desta Corte Superior.

Apresentado o contexto e o estágio do tratamento conferido à adoção, ainda que evidente a necessidade de políticas públicas voltadas à conscientização da população acerca do procedimento para a adoção, diante das circunstâncias fáticas do, em especial a conjuntura de que o casal constava da lista do cadastro nacional e que a criança não permaneceu sob sua guarda, ausente interesse processual que justifique a ação civil pública.

O prosseguimento da demanda constituiria punição civil que em nada contribuiria para a preservação dos direitos da coletividade de pessoas habilitadas no cadastro local e nacional de adoção, para o desenvolvimento do sistema nacional de adoção ou mesmo teria o condão de desencorajar outras pessoas a tal prática.

 

PROCESSO 05

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 9/5/2024.

Destaque
Viola a proibição legal do Pacto de Corvina cláusula de acordo judicial que exclui do herdeiro o direito de participar de futura sucessão, mediante renúncia antecipada ao quinhão hereditário.

Informações
Cinge-se a controvérsia em definir se é válida a cláusula, firmada em transação judicial, que encerrou ação investigatória de paternidade, por meio da qual as partes reconheceram a relação de filiação, porém o genitor efetuou pagamento de indenização ao filho, mediante a renúncia do herdeiro a quaisquer outras indenizações ou direitos hereditários.

Nos termos do art. 1.089 do CC/1916 (vigente à época dos fatos): “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. Referida disposição, repetida no artigo 426 do CC, proíbe o chamado Pacto de Corvina, contaminando de nulidade absoluta o negócio jurídico.

Sobre o tema, esta Corte Superior orienta-se no sentido da ilicitude da renúncia antecipada a direitos hereditários, firmando que o ato do herdeiro em abdicar da herança somente pode se dar após aberta a sucessão.

Ainda que eventualmente as partes detivessem, ao tempo da transação, a vontade de colocar fim a celeumas familiares, mediante o reconhecimento de paternidade, fato é que o negócio jurídico encampado na transação significou renúncia antecipada dos direitos hereditários de titularidade do ora recorrente, objeto vedado expressamente pelo ordenamento jurídico pátrio.

Não é dado ao testador excluir o herdeiro necessário de sua sucessão (arts. 1.789 e 1.846 do CC/2002), sendo-lhe lícito, contudo, diminuir o quinhão hereditário de determinado sucessor, desde que respeitada a respectiva legítima.

 

PROCESSO 06

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 22/2/2024.

Destaque
O herdeiro detém legitimidade ativa para propor ação de reconhecimento e dissolução de união estável entre companheiros já falecidos.

Informações
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de os herdeiros de pai falecido ajuizarem ação de reconhecimento de união estável post mortem entre seu pai e a suposta companheira, também falecida, com vistas à declaração de nulidade de doação por ela feita a seus filhos exclusivos, a fim de preservarem seus próprios direitos hereditários.

No caso, o Tribunal de origem reconheceu que o “herdeiro detém legitimidade ativa para propor ação de reconhecimento e dissolução de união estável entre companheiros já falecidos, uma vez que esta relação jurídica gera efeitos na sua esfera patrimonial, o que configura, pois, a pertinência subjetiva da ação”.

O direito à herança é regulado por lei e, se os herdeiros entendem que foram lesados em seu direito hereditário por força de doação inoficiosa feita pela companheira de seu pai a seus filhos exclusivos, não se pode excluir deles (herdeiros) o direito de buscar a proteção jurisdicional, ainda que para isso seja necessário o ajuizamento de uma ação de reconhecimento de união estável post mortem.

Isso porque não há como reconhecer o caráter da doação, sem analisar o relacionamento que a suposta companheira mantinha com o pai dos recorridos ao longo dos anos e verificar, conforme o caso, eventual regime de bens que deveriam incidir nos diversos períodos da convivência.

Com efeito, somente após essa análise e com a eventual declaração da existência de uma união estável entre os finados, é que se poderá aferir se a doação feita pela mãe a próprios seus filhos atingiu os direitos de seu suposto companheiro sobre os bens doados e, consequentemente, se houve ou não lesão aos direitos hereditários dos recorridos.

Nesse sentido, é evidente que há liame subjetivo entre as partes, bem como uma alegada lesão ao direito dos recorridos. A pretensão de obter um pronunciamento judicial para declarar a existência da união estável – que é uma situação fática -, está amparada pelo art. 19, I, do CPC (art. 4º, I, do CPC/1973), e é uma questão prejudicial ao pedido principal, no caso, a anulação das doações de imóveis feitas sem observância dos ditames legais.

De fato, a lei impôs limites aos atos de liberalidade que venham a atingir a parte dita legítima dos bens que compõem o acervo patrimonial de alguém, isso, no campo relativo às doações inoficiosas. Por essas razões, entende-se acertada a decisão que reconheceu a ilegitimidade ativa ad causam.

 

PROCESSO 07

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/6/2024, DJe 28/6/2024.

Destaque
É possível a excepcional relativização da coisa julgada de anterior ação de investigação de paternidade, na qual não foi realizado o exame DNA, ainda que por culpa (recusa) do pretenso pai, quando existente resultado negativo obtido em teste já realizado por determinação do próprio Judiciário.

Informações
A controvérsia no caso está em definir se, diante do resultado negativo obtido em teste de DNA já realizado por determinação do próprio Judiciário, deve ainda prevalecer a coisa julgada material formada em ação de investigação de paternidade anterior, na qual não realizado o exame, ainda que por culpa (recusa) do pretenso pai.

A excepcional relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade anteriores à universalização do exame de DNA é admitida pelo eg. Supremo Tribunal Federal (RE 363.889/MG Rel. Ministro Dias Toffoli) e também pelo Superior Tribunal de Justiça (AgRg nos EREsp 1.202.791/SP, Segunda Seção, Rel. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva).

O entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal permite a superação da coisa julgada, nos termos do Tema 392/STF, quando, na primeira ação, o exame de DNA não foi realizado por impossibilidade alheia à vontade das partes, e não em caso de recusa.

A hipótese sub judice, contudo, apresenta peculiaridades que o distinguem daqueles ordinariamente examinados no âmbito da Corte, merecendo distinção, quais sejam: Embora reconhecida a paternidade, diante da recusa do requerido de submeter-se a exame genético, em anterior ação movida pela suposta filha, já maior de idade, contra o suposto pai, nesta posterior ação negatória de paternidade, entre as mesmas partes, determinou-se a realização de exame de DNA, o qual afastou a existência de vínculo biológico entre os investigados.

Aqui, diversamente do que se observa nos casos antes examinados por esta Corte, não se trata de relativizar a coisa julgada formal negativa da paternidade para autorizar a realização de exame genético visando obter a verdade real eventualmente afirmativa do vínculo, mas, ao contrário, ter-se-á de desconsiderar a verdade real negativa da paternidade, já obtida em juízo mediante prova pericial produzida sob o crivo do contraditório, para privilegiar a verdade formal, afirmativa da paternidade presumida, representada pela coisa julgada anterior, constituída por presunção sem que realizado nenhum exame.

Nesse sentido, não se pode desconsiderar a verdade real obtida mediante prova científica, em perícia produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, privilegiando-se a verdade formal representada pela coisa julgada anterior, constituída sem que realizado nenhum exame.

O direito à verdade biológica, relativo à dignidade da pessoa humana, não diz respeito apenas ao filho e ao seu direito ao reconhecimento da paternidade, mas também ao pai, não se mostrando consentânea com este a imposição da paternidade quando, ausente invocação de vínculo afetivo, se sabe inexistente o vínculo genético, outrora reconhecido por presunção e atualmente afastado pela certeza obtida por resultado de exame de DNA.

Conforme já reconhecido por esta Corte, “Os direitos à filiação, à identidade genética e à busca pela ancestralidade integram uma parcela significativa dos direitos da personalidade e são elementos indissociáveis do conceito de dignidade da pessoa humana, impondo ao Estado o dever de tutelá-los e de salvaguardá-los de forma integral e especial, a fim de que todos, indistintamente, possuam o direito de ter esclarecida a sua verdade biológica” (REsp 1.632.750/SP, Relatora para acórdão Ministra Nancy, Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 13/11/2017).

Nesse contexto, não deve prevalecer o óbice da coisa julgada formal constituída, por presunção, em outra demanda, em detrimento do direito fundamental ao conhecimento da identidade genética e da ancestralidade, relativo à personalidade e decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana consagrado na Constituição Federal (art. 1º, III), sob pena de se gerar situações de perplexidade.

Na esteira da jurisprudência hoje consolidada nos Tribunais superiores, tratando-se de ação de estado, na qual o dogma da coisa julgada deve ser aplicado com prudência, sob pena de se subverter a realidade, não se pode justificar a adoção da res iudicata, a pretexto de se garantir a segurança jurídica, quando isso possa criar uma situação aberrante entre o mundo fático-científico e o mundo jurídico.

Assim, dadas as circunstâncias dos autos, mostra-se viável a rediscussão da relação de parentesco mediante ação de cunho revisional, conforme previsto no art. 505, I, do CPC/2015.

 

PROCESSO 08

Dados do Processo
REsp 1.462.840-MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024, DJe 21/5/2024.

Destaque
A representação processual de menor impúbere pode ser exercida em conjunto pelos genitores ou separadamente, por cada um deles, ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar, ausência ou de potencial conflito de interesses.

Ementa
Recurso especial. Civil e processual civil. Ação de indenização. Representação judicial do menor. A representação de menor impúbere em juízo pode se dar pelos pais, em conjunto, ou, separadamente. Violação a dispositivos legais não configurada. Dissídio jurisprudencial existente. Necessidade de uniformização da jurisprudência nacional.

  1. A representação processual de menor impúbere pode ser exercida em conjunto pelos genitores, ou então, separadamente, por cada um deles, ressalvadas as hipóteses de destituição do poder familiar, ausência ou de potencial conflito de interesses.
  2. Recurso especial a que se nega provimento.

 

PROCESSO 09

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/2024.

Destaque
Não é do melhor interesse da criança e do adolescente o acolhimento em abrigo institucional em detrimento do precedente acolhimento familiar, ressalvadas as hipóteses em que o abrigo institucional imediato revela-se necessário para evitar a formação de laços afetivos entre a criança e os guardiães em conjuntura de possível adoção irregular, ou ainda quando houver risco concreto à integridade física e psicológica do infante.

Informações
A controvérsia versa acerca de determinação judicial para acolhimento institucional de criança em razão de suspeita de adoção inoficiosa, irregular e motivada pelo comportamento de seus guardiães.

Ocorre que, no exame de demandas envolvendo interesses de crianças e adolescentes, deve ser eleita solução da qual resulte maior conformação aos princípios norteadores do Direito Infantojuvenil, notadamente a proteção integral e o melhor interesse, derivados da pAArioridade absoluta apregoada pelo art. 227, caput, da Constituição Federal: “art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Sob o influxo da Lei Fundamental, a legislação que rege a matéria orienta a aplicação das medidas protetivas de menores com enfoque em seu interesse superior, amparo integral e prioritário, bem assim a predileção por alternativas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares.

Logo, não é do melhor interesse da criança e do adolescente o acolhimento temporário em abrigo institucional em detrimento do familiar, ressalvadas as hipóteses em que o abrigo institucional imediato revela-se necessário para evitar a formação de laços afetivos entre a criança e os guardiães em conjuntura de possível adoção irregular, ou ainda quando houver risco concreto à integridade física e psicológica do infante.

Inexistindo elementos que indiquem que a criança esteja exposta a risco à integridade física ou psicológica na companhia de seus cuidadores, a mera suspeita de adoção inoficiosa não é suficiente para se impor medida tão grave, que se distancia do melhor interesse do menor.

 

PROCESSO 10

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2024, DJe 21/5/2024.

Destaque
É possível a decretação do divórcio na hipótese em que um dos cônjuges falece após a propositura da respectiva ação, notadamente quando manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que fora formulado em seu desfavor.

Informações
Cinge-se a controvérsia em verificar a possibilidade de decretação de divórcio na hipótese de falecimento de um dos cônjuges após a propositura da respectiva ação.

Após a edição da Emenda Constitucional n. 66/2010, permite-se a dissolução do casamento pelo divórcio independentemente de condições e exigências de ordem temporal previstas na Constituição ou por ela autorizadas, passando a constituir direito potestativo dos cônjuges, cujo exercício decorre exclusivamente da manifestação de vontade de seu titular.

Com a alteração constitucional, há preservação da esfera de autonomia privada dos cônjuges, bastando o exercício do direito ao divórcio para que produza seus efeitos de maneira direta, não mais se perquirindo acerca da culpa, motivo ou prévia separação judicial do casal. Origina-se, pois, do princípio da intervenção mínima do Estado em questões afetas às relações familiares.

A caracterização do divórcio como um direito potestativo ou formativo, compreendido como o direito a uma modificação jurídica, implica reconhecer que o seu exercício ocorre de maneira unilateral pela manifestação de vontade de um dos cônjuges, gerando um estado de sujeição do outro cônjuge.

Na hipótese em que a esposa, embora não tenha sido autora da ação de divórcio, manifestou-se indubitavelmente no sentido de aquiescer ao pedido que fora formulado em seu desfavor e formulou pedido reconvencional, requerendo o julgamento antecipado e parcial do mérito quanto ao divórcio, é possível o reconhecimento e validação da sua vontade, mesmo após sua morte, conferindo especial atenção ao desejo de ver dissolvido o casamento.

Ademais, os herdeiros do cônjuge falecido possuem legitimidade para prosseguirem no processo e buscarem a decretação do divórcio post mortem, não se tratando de transmissibilidade do direito potestativo ao divórcio; o direito já foi exercido e cuida-se, tão somente, de preservar os efeitos que lhe foram atribuídos pela lei e pela declaração de vontade do cônjuge falecido.