Confira a edição de novembro de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Planejamento Sucessório e Resolução de Disputas Familiares.
Para manter os clientes e contatos atualizados, a equipe reúne mensalmente os principais casos julgados nos Tribunais.
PROCESSO 01
Dados do Processo
REsp 2.133.984-RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2024, DJe 28/10/2024.
Destaque
O bem de família voluntário mantém com o bem de família legal relação de coexistência e não de exclusão.
Ementa
Civil. Processual civil. Execução fiscal. Revogação tácita da lei 8.009/1990 pelo código de processo civil. Não ocorrência. Bem de família legal e voluntário. Coexistência. Recurso provido.
- O Código de Processo Civil declara não sujeitos à execução os bens arrolados em seu art. 833 e, na forma do art. 832, aqueles que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. Assim como ocorreu sob a legislação processual passada, as hipóteses de impenhorabilidade previstas no atual Código de Processo Civil coexistem com a regulamentação do bem de família, que, segundo a tradição brasileira, é dada por outros diplomas legais, como o Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 e a Lei 8.009/1990.
- O fato do Código de Processo Civil afirmar em seu art. 833, I, que são impenhoráveis os bens “declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução” não implica a revogação tácita da Lei 8.009/1990, assim como não o fez o art. 1.711 do Código Civil, ao tratar do bem de família voluntário. Como já se decidiu no STJ, “O bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) e o convencional (Código Civil) coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente” (REsp n. 1.792.265/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 14/3/2022).
- Conforme a jurisprudência do STJ, para o reconhecimento da proteção da Lei 8.009/1990 não é necessária a prova de que o imóvel onde reside seja o único de sua propriedade.
- Recurso especial provido.
PROCESSO 02
Dados do Processo
AREsp 2.670.058-TO, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2024.
Destaque
Sendo o espólio representado pelo inventariante ou pelo administrador provisório, não está a Fazenda Pública desobrigada de identificar o representante legal na inicial da execução fiscal.
Ementa
Processual civil. Recurso especial. Execução fiscal. Espólio. Representação em juízo. Indicação do nome do inventariante ou do administrador provisório na inicial. Necessidade.
- O espólio será representado em juízo, ativa e passivamente, pelo inventariante, sendo certo que, na pendência de nomeação deste, o patrimônio ficará na posse e será judicialmente representado pelo administrador provisório (arts. 75, VII, 613, 614 e 618, I, do CPC/2015).
- A Lei n. 6.830/1980 atribui ao exequente o ônus de pedir a citação do réu, do que resulta a necessidade de indicação dos dados elementares para que o ato seja realizado.
- O nome do réu ou o de seu representante legal são informações básicas, e não simples qualificação da parte como o são seu CPF ou CNPJ, números de cadastro cuja indicação esta Corte Superior, no julgamento do Tema 876 do STJ, entendeu prescindíveis na inicial da execução fiscal.
- Por conseguinte, sendo o espólio representado pelo inventariante ou pelo administrador provisório, não está a Fazenda Pública desobrigada de identificar o representante legal na inicial da execução fiscal, porque o requerimento da citação e o fornecimento das informações básicas para que ela se realize são obrigações impostas ao autor não apenas pelo Código de Processo Civil, mas também pela Lei de Execução Fiscal.
- No caso, foi descumprida a determinação do juízo para informação do nome e endereço do representante legal do espólio ou dos herdeiros do falecido, razão pela qual é correta a extinção do feito com base no art. 76, § 1º, I, do CPC/2015.
- Agravo conhecido para negar-se provimento ao recurso especial.
PROCESSO 03
Dados do Processo
REsp 2.080.023-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/11/2024, DJe 11/11/2024. (Tema 1234).
REsp 2.091.805-GO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/11/2024, DJe 11/11/2024 (Tema 1234).
Destaque
É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade.
Ementa
Recurso especial. Afetação ao rito dos recursos especiais repetitivos. Execução de título extrajudicial. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Art. 833, VIII, do CPC. Exploração do imóvel pela família. Ônus da prova. Executado (devedor). Não comprovado. Reforma do acórdão estadual. Recurso especial provido.
- Execução de título extrajudicial ajuizada em 26/1/2009, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 7/5/2023 e concluso ao gabinete em 10/09/2024.
- O propósito recursal, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, é “definir sobre qual das partes recai o ônus de provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade” (Tema 1234/STJ).
- Para reconhecer a impenhorabilidade, nos termos do art. 833, VIII, do CPC, é imperiosa a satisfação de dois requisitos: (i) que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei, e (ii) que seja explorado pela família.
- Quanto ao primeiro requisito, considerando a lacuna legislativa acerca do conceito de “pequena propriedade rural” para fins de impenhorabilidade, a jurisprudência tem tomado emprestado aquele estabelecido na Lei 8.629/1993, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária. No art. 4ª, II, alínea “a”, da referida legislação, atualizada pela Lei 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural “de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento”.
- Essa interpretação se encontra em harmonia com o Tema 961/STF, segundo o qual “é impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização” (DJe 21/12/2020).
- A Segunda Seção desta Corte decidiu que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor (executado) tem o ônus de comprovar que além de se enquadrar dentro do conceito de pequena, a propriedade rural se destina à exploração familiar (REsp n. 1.913.234/SP, Segunda Seção, DJe 7/3/2023).
- Como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado.
- O art. 833, VIII, do CPC é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar.
- Isentar o executado de comprovar o cumprimento desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor (exequente) importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação da norma – de assegurar os meios para a efetiva manutenção da subsistência do executado e de sua família.
- Para os fins dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC, fixa-se a seguinte tese: “É ônus do executado provar que a pequena propriedade rural é explorada pela família para fins de reconhecimento de sua impenhorabilidade”.
- No recurso sob julgamento, o executado (recorrido), embora tenha demonstrado que o imóvel rural possui menos de quatro módulos fiscais, não comprovou que o bem é explorado por sua família. Logo, deve ser reformado o acórdão estadual, mantendo-se a decisão do Juízo de primeiro grau que determinou a penhora do imóvel.
- Recurso especial conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a decisão do Juízo de primeiro grau que manteve a penhora do imóvel.
PROCESSO 04
Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 7/11/2024.
Destaque
O simples fato de o neto, concebido por inseminação artificial, coabitar residência com mãe e o avô materno e reconhecê-lo como pai, não é suficiente para afastar a proibição prevista no art. 42, § 1º, do ECA, que veda a adoção por avós.
Informações
A Constituição Federal, em seu art. 226, § 4º, reconhece como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, denominada família “monoparental”, que deve ser prestigiada, mormente quando da escolha por essa modalidade de família por pessoa que opta pela realização de inseminação artificial.
Conquanto a regra do art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, vede expressamente a adoção dos netos pelos avós, fato é que o referido dispositivo legal tem sofrido flexibilizações no STJ, sempre excepcionais, por razões humanitárias e sociais, bem como para preservar situações de fato consolidadas.
A Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 1.587.477/SC, publicado em 27/8/2020, fixou requisitos para a adoção avoenga: que “(i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando”.
Dessa forma, nos termos da jurisprudência do STJ, não é suficiente que a criança reconheça o avô como pai para superar o expresso óbice legal – em especial quando os demais requisitos para superação do art. 42, §1º no ECA estão ausentes. Ademais, no caso, se verifica que a mãe exerce plenamente a maternidade, sem qualquer óbice ou incapacidade, tendo inclusive desejado e planejado a gestação por técnica de reprodução assistida por inseminação artificial.
PROCESSO 05
Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024, DJe 14/11/2024.
Destaque
É juridicamente possível o pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e neto, tendo em vista não haver qualquer vedação legal expressa no ordenamento jurídico a esse respeito
Informações
Cinge-se a controvérsia em verificar se é juridicamente possível o pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e neto maior de idade, a teor da vedação expressa no art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A adoção de maiores não possui regramento próprio, resumindo-se, o CC/2002, a estabelecer em seu art. 1.619 a genérica ordem de que “a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069 […]”.
A adoção regida pelo ECA é modalidade de Medida de Proteção incidente diante de situação de risco de gravidade tal que justifique a destituição do poder familiar dos genitores (se constantes do registro civil da pessoa em desenvolvimento) a fim de que seja a criança ou adolescente colocada em família substituta.
A socioafetividade, por sua vez, não se confunde com o instituto da adoção, uma vez que não depende de destituição do poder familiar do vínculo biológico pretérito. Trata-se, em verdade, do reconhecimento de uma situação fática já vivenciada, que demanda o pronunciamento do Poder Judiciário acerca da existência de um vínculo já consolidado.
Assim, têm interesse de agir o neto e seus avós quando alegam ter desenvolvido relação de socioafetividade parental que excede a mera afetividade avoenga, e que demanda a declaração jurídica desse vínculo por meio da competente ação de reconhecimento, com efeitos diretos em seu registro civil.
É juridicamente possível o pedido de reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e neto, diante da possibilidade de reconhecimento de parentescos de outra origem, previstos no art. 1.593 do CC/2002, além de não existir qualquer vedação legal expressa no ordenamento jurídico a esse respeito.
É indevida a aplicação da vedação contida no § 1º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando não se trata de hipótese de adoção, mas de reconhecimento de filiação socioafetiva em multiparentalidade.