Em 21/06/2024, foi publicado o Decreto nº 12.068/2024 (“Decreto”), que regulamenta a prorrogação e a licitação das concessões de distribuição de energia elétrica, nos termos do §3º do art. 4º da Lei nº 9.074/1995[1].

A renovação das concessões de distribuição ocorre no contexto em que um número expressivo de contratos de concessão, originalmente outorgados na década de 1990, se aproxima do seu termo final (após 30 anos de vigência). Neste sentido, a definição das diretrizes aplicáveis às concessões vincendas pelo Poder Concedente confere maior segurança e previsibilidade, melhorando o ambiente de mercado para aos agentes do segmento da distribuição. Por outro lado, algumas das novas regras do Decreto enrijeceram as obrigações das distribuidoras e precisarão ser melhor detalhadas tanto nos termos aditivos quanto na regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”).

Critérios para avaliação da prorrogação das concessões de distribuição

A prorrogação das concessões de distribuição é condicionada à demonstração da prestação do serviço adequado, da expressa aceitação por parte da concessionária das condições estabelecidas no Decreto e das demais disposições estabelecidas no termo aditivo ao respectivo contrato de concessão.

A verificação da prestação do serviço adequado será realizada de forma individual para cada concessionária e a cada ano civil, com base nos critérios definidos no arcabouço regulatório da ANEEL relativos à eficiência:

  1. da continuidade do fornecimento, mensurada pelos indicadores de Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (“DEC”) e de Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (“FEC”)[2], que terá configurado o seu descumprimento mediante o não atendimento dos limites anuais globais, de forma isolada ou conjuntamente, por três anos consecutivos.
  2. da gestão econômico-financeira, mensurada por indicador que ateste a capacidade de a concessionária honrar com seus compromissos econômico-financeiros de maneira sustentável (atualmente previstos no Anexo VIII da Resolução Normativa nº 948/2021 da ANEEL)[3], e cujo descumprimento é auferido pelo não atendimento do indicador por dois anos consecutivos.

O período de apuração dos critérios citados acima será composto pelos cinco anos anteriores ao encaminhamento, a ser feito pela ANEEL para o Ministério de Minas e Energia (“MME”), da recomendação de prorrogação da concessão. Para o critério de eficiência na gestão econômico-financeira, em específico, o período de apuração desprezará os anos anteriores a 2021.

A existência de processo administrativo de caducidade[4] da concessão de distribuição de energia elétrica instaurado pela ANEEL suspende a análise da recomendação da prorrogação da concessão e, na hipótese de sobrevir, a qualquer tempo, a declaração de caducidade da concessão, o requerimento de prorrogação da concessão será indeferido.

As distribuidoras, como alternativa ao não cumprimento do critério de eficiência com relação à gestão econômico-financeira, poderão promover aporte de capital necessário à sustentabilidade econômica e financeira da concessão, na forma e no montante a serem estabelecidos pela ANEEL.

 

Diretrizes para o termo aditivo ao contrato de concessão

Caberá à ANEEL definir as minutas dos termos aditivos aos contratos de concessão das distribuidoras, mas, de acordo com o Decreto, eles devem conter cláusulas que assegurem, no mínimo, determinadas condições, dentre as quais destacamos as seguintes:

  1. Sustentabilidade econômico-financeira das concessionárias, inclusive por meio de aporte de capital;
  2. Satisfação dos usuários, por meio da apuração de indicadores de tempo de atendimento de serviços e pesquisas de opinião pública;
  3. Qualidade na prestação do serviço de distribuição de energia elétrica, por meio da apuração de indicadores de continuidade do fornecimento;
  4. Obrigação de dar publicidade à qualidade na prestação do serviço de distribuição de energia elétrica, por meio da apuração de DEC e FEC, sem aplicação de expurgos[5];
  5. Definição de metas de eficiência na recomposição do serviço, após eventos climáticos extremos;
  6. Alocação de riscos entre o Poder Concedente e as concessionárias;
  7. Aprimoramento das condições econômicas necessárias para a expansão do Ambiente de Contratação Livre (“ACL”), a ser obtida, por exemplo, com a flexibilidade contratual de que serviços que possam ser ofertados de modo concorrencial sejam facultados a outros agentes (e.g., o fornecimento de energia elétrica) e pela separação contábil das atividades de comercialização regulada de energia e da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica;
  8. Aplicação de incentivos compatíveis com a capacidade de gestão em concessões com relevante presença de inadimplência e perdas de energia; e
  9. Possibilidade de a ANEEL, no caso de descumprimento de indicadores de qualidade técnica, comercial e econômico-financeiros, estabelecer limitação do pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio, respeitados os limites mínimos legais[6], e de limitar novos atos e negócios jurídicos entre as distribuidoras e suas partes relacionadas.

Além disso, as distribuidoras assumirão determinados compromissos pela prorrogação das suas concessões, tais como (i) renúncia ao ressarcimento pela eventual abertura do ACL, (ii) desenvolvimento de ações para reduzir a vulnerabilidade das redes de distribuição frente a eventos climáticos e (iii) adoção de ações para reduzir as perdas não técnicas em áreas de vulnerabilidade socioeconômica.

 

Aspectos procedimentos do requerimento de prorrogação das concessões

Primeiro passo: O requerimento de prorrogação do prazo da concessão será dirigido à ANEEL, com antecedência de, no mínimo, 36 meses do advento do termo contratual, acompanhado dos documentos comprobatórios de regularidade fiscal, trabalhista e setorial e das qualificações jurídica, econômico-financeira e técnica da concessionária.

*As concessionárias que tiverem apresentado o requerimento de prorrogação anteriormente à publicação do Decreto deverão ratificá-lo no prazo de 30 dias, contado da publicação da minuta do termo aditivo ao contrato de concessão, e manifestar concordância integral com as condições estabelecidas.

Segundo passo: A ANEEL deverá encaminhar recomendação ao MME quanto à prorrogação da concessão, com avaliação do atendimento dos critérios previstos na primeira seção deste informativo, com antecedência mínima de 21 meses do advento do termo contratual.

Terceiro passo: A decisão do MME quanto à prorrogação ou não da concessão deverá ser publicada até 18 meses antes do advento do termo contratual.

Quarto passo: Após a decisão do MME favorável à prorrogação, a minuta do termo aditivo ao contrato de concessão será disponibilizada pela ANEEL à distribuidora, que deverá assiná-lo no prazo de 90 dias, contado da convocação.

 

Pontos de atenção

Ponto de atenção nº 1: as distribuidoras poderão apresentar à ANEEL o requerimento de prorrogação do prazo da concessão, para fins de antecipação dos efeitos da prorrogação, no prazo de 30 dias, contado da publicação da minuta do termo aditivo ao contrato de concessão.

Ponto de atenção nº 2: a distribuidoras que não atenderem os critérios para avaliação da prorrogação das concessões, poderão, (i) em relação ao critério de eficiência com relação à gestão econômico-financeira, promover aporte de capital necessário à sustentabilidade econômica e financeira da sua concessão; e, (ii) em relação ao critério de continuidade do fornecimento, propor ao MME, no prazo de 30 dias, contado da publicação do termo aditivo ao contrato de concessão, plano de resultados que contenha as ações necessárias ao atingimento do referido critério.

Ponto de atenção nº 3: os prazos previstos no segundo passo e no terceiro passo poderão ser flexibilizados para as concessões vincendas nos anos de 2025 e 2026, na hipótese de a concessionária ter manifestado concordância com as condições de prorrogação definidas no Decreto.

 

Considerações adicionais

As concessões de distribuição que não forem prorrogadas ou que tenham sido objeto de extinção serão relicitadas pela ANEEL, conforme diretrizes do MME. Dois dos principais temas que precisarão ser regulamentados a respeito das relicitações são (i) a indenização a ser paga à antiga concessionária em razão dos bens reversíveis[7] ainda não amortizados ou depreciados e (ii) o período de operação conjunta entre a antiga concessionária e a nova, quando necessário, de modo a assegurar a continuidade do serviço público de distribuição de energia elétrica.

Por fim, em disposição que guarda pouca relação com o restante do teor do Decreto, foi previsto que as distribuidoras deverão ceder a pessoa jurídica distinta o espaço em infraestrutura de distribuição, as faixas de ocupação e os pontos de fixação dos postes das redes aéreas de distribuição destinados ao compartilhamento com o setor de telecomunicações.

 

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[1] § 3º As concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato.

[2] Previstas no Módulo 8 do PRODIST, a DEC representa o intervalo de tempo que, na média, no período de apuração, em cada unidade consumidora do conjunto considerada, ocorreu uma descontinuidade da distribuição de energia elétrica; a FEC, por sua vez, representa o número de interrupções ocorridas, em média, no período de apuração, em cada unidade consumidora do conjunto considerado.

[3] Conforme o §1º do art. 4º do Anexo VIII da Resolução Normativa nº 948/2021 da ANEEL, o critério de eficiência com relação à gestão econômico-financeira das distribuidoras é descumprido quando houver a não conformidade da inequação prevista no caput do mesmo artigo ou quando o Lucro antes dos Juros, Impostos sobre Renda, Depreciação e Amortização (EBITDA) for menor do que a Quota de Reintegração Regulatória (QRR) definida na última revisão tarifária periódica da concessionária.

[4] Caducidade é a hipótese de extinção da concessão que ocorre diante da inexecução total ou parcial do contrato de concessão por parte da distribuidora. A sua verificação ocorre sempre no bojo de um processo administrativo de verificação da inadimplência da distribuidora, em que lhe é assegurado o direito de ampla defesa (art. 38 e ss. da Lei nº 8.987/1995).

[5] De acordo com o Módulo 8 do PRODIST, a apuração dos indicadores de DEC e FEC desconsidera determinadas situações – tais como interrupções de origem externa ao sistema de distribuição e falhas nas instalações individualmente consideradas –, as quais se denominam de expurgos.  

[6] O limite mínimo legal de pagamento de dividendos e juros de capital próprio a que o inciso XXII do art. 4º do Decreto faz referência é o mesmo limite do dividendo obrigatório, conforme previsto no §2º do art. 202 da Lei nº 6.404/1976.

[7] Bens reversíveis são aqueles que, empregados pela concessionária para a prestação do serviço a ela outorgado, deverão integrar-se no domínio público, ao final da concessão. Os bens reversíveis não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido, serão indenizados à concessionária em função do termo final da concessão (art. 36 da Lei nº 8.987/1995).