A Receita Federal do Brasil avança rumo a um novo patamar de supervisão sobre ativos digitais com a proposta da Instrução Normativa que institui a Declaração de Criptoativos (DeCripto). Em consulta pública até 20 de dezembro de 2024, a minuta representa uma atualização da IN RFB nº 1.888/2019, em vigor desde 2019, e incorpora as diretrizes da OCDE por meio do Crypto Asset Reporting Framework (CARF), com o objetivo declarado de robustecer a transparência fiscal e ampliar a capacidade de fiscalização sobre operações com criptoativos.

A proposta da DeCripto não apenas adapta a norma brasileira à crescente sofisticação das tecnologias e modelos de negócios envolvendo ativos digitais, como também estabelece as bases para a adesão do Brasil ao modelo internacional de troca automática de informações fiscais. Entre os principais pontos de atenção estão o conceito ampliado de criptoativo, novas categorias de operações sujeitas a reporte — como transações com plataformas descentralizadas (DeFi), stablecoins referenciadas a ativos reais, e o fracionamento de NFTs — e a exigência de informações sobre transferências entre jurisdições. Além disso, a minuta formaliza a figura do prestador de serviço de criptoativos e introduz regras de diligência e avaliação inspiradas em padrões internacionais de compliance.

Ainda que a norma esteja em fase de construção, a direção é inequívoca: o Fisco brasileiro pretende aprofundar sua capacidade de rastreamento, identificação e controle sobre patrimônios digitais, com foco na mitigação de riscos fiscais, prevenção à evasão tributária e conformidade com padrões internacionais de governança tributária.

Nesse contexto, é essencial que empresas, investidores institucionais e pessoas físicas com exposição relevante ao mercado de criptoativos compreendam o conjunto de obrigações já vigentes — e se preparem desde já para o novo regime.

A legislação atual já impõe obrigações relevantes. Transações com corretoras internacionais que superem R$ 30 mil mensais devem ser informadas diretamente à Receita Federal por meio de obrigação acessória mensal. Para vendas ou permutas de criptoativos, o limite de isenção do Imposto de Renda é de R$ 35 mil por mês, aplicável exclusivamente às operações realizadas em corretoras brasileiras. No caso de operações internacionais, todo o lucro é tributável e deve ser apurado pelo contribuinte, com recolhimento via GCAP.

É importante destacar que o limite de R$ 35 mil refere-se ao volume total de alienações no mês, e não ao valor do lucro ou à quantia resgatada. Essa é uma confusão comum entre contribuintes, frequentemente esclarecida pela Receita em seu documento de Perguntas e Respostas sobre o Imposto de Renda. A interpretação incorreta dessa regra tem resultado em omissões significativas nas declarações de contribuintes, que se expõem a autuações e penalidades.

Outro ponto de atenção é a obrigatoriedade de declarar criptoativos na ficha de bens e direitos da declaração de IRPF. Todos os ativos digitais cujo custo de aquisição (individual ou médio) seja igual ou superior a R$ 5 mil devem ser declarados, informando o tipo de ativo, a quantidade, a data e o valor da aquisição, bem como a corretora utilizada, se houver. Em casos de compras fracionadas ao longo do tempo, deve-se adotar o custo médio ponderado.

O movimento da Receita Federal com a DeCripto evidencia uma mudança de postura: o Fisco não mais tolerará zonas cinzentas quanto à titularidade, origem ou movimentação de ativos digitais. A criptoeconomia, que por muito tempo operou à margem de regulamentações tradicionais, passa agora a ser tratada com o mesmo grau de vigilância aplicável a outros mercados financeiros.

Para empresas, fundos de investimento, gestores de patrimônio e profissionais que operam com criptoativos, isso exige uma revisão imediata de suas práticas de controle, registro e reporte fiscal. A governança tributária em torno de ativos digitais passa a ser um tema estratégico, com implicações não apenas fiscais, mas também reputacionais e regulatórias. A ausência de um acompanhamento técnico especializado pode resultar em exposição a riscos que vão muito além de multas — afetando a credibilidade institucional e o relacionamento com órgãos reguladores, investidores e parceiros de negócios.

Nosso escritório acompanha de forma permanente a evolução regulatória do setor de criptoativos, tanto no Brasil quanto no exterior, e está preparado para assessorar empresas e indivíduos na adaptação às novas exigências da DeCripto. Atuamos na estruturação de estratégias de compliance, definição de políticas internas de diligência e reporte, e no planejamento tributário de ativos digitais — sempre com foco em segurança jurídica e alinhamento às melhores práticas globais.

Este é o momento de sair na frente. O novo marco regulatório está em construção, e aqueles que se anteciparem à sua vigência estarão melhor posicionados para mitigar riscos, identificar oportunidades e construir relações sólidas com o ecossistema regulatório e financeiro.