No último 14 de julho do corrente ano, entrou em vigor a Emenda Constitucional 125, que institui a questão de relevância como requisito de admissibilidade do recurso especial, acrescentando os §§ 2º e 3º ao art. 105 da CRFB. Ou seja, impõe mais uma cláusula de barreira para os recursos que vierem a ser interpostos a partir de 14/07/2022, o que provavelmente reduzirá (ainda mais) as chances de conhecimento desse recurso na maior parte dos casos submetidos ao STJ.
De acordo com o §2º da emenda, a análise da questão de relevância deve ser feita pela manifestação de 2/3 dos membros do órgão competente para o julgamento. Já o § 3º estabelece um rol de situações jurídicas nas quais a questão de relevância é presumida.
O texto constitucional deixa margem para que os Tribunais editem normas regulamentares, bem como para que o legislador ordinário realize eventuais adaptações na lei, como por exemplo ocorre no artigo 1.035 do CPC, que regulamenta a repercussão geral no STF. É possível que em breve haja alguma alteração no CPC ou no Regimento Interno do STJ a este respeito, para criar um detalhamento da aplicação da regra constitucional tal como ocorre na repercussão geral no STF.
Ainda assim, a emenda constitucional nos parece autoaplicável desse já. Não obstante haver quem defenda que a emenda não seria autoaplicável, não nos parece que esta orientação prevalecerá. Aliás, já há decisões monocráticas do STJ indicando, a contrario sensu, que o novo requisito já está valendo para REsp apresentado após a alteração constitucional:
“É o relatório. DECIDO O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado em data anterior à publicação da Emenda Constitucional nº 125, não se aplicando ao caso o requisito de admissibilidade por ela inaugurado, ou seja, a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional.” AgInt no AREsp n. 2.095.488, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 05/08/2022.
Portanto, agora está positivado o novo requisito ao REsp, devendo ser demonstrada a “relevância das questões de direito federal”.
O §3º estabelece um rol de situações que há presunção de relevância: I – ações penais; II – ações de improbidade administrativa; III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos; IV – ações que possam gerar inelegibilidade; V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça; VI – outras hipóteses previstas em lei. Nestes casos, o recorrente deve demonstrar que o seu caso se encaixa em alguma das hipóteses do §3º.
Fora das hipóteses do §3º, deve a parte demonstrar “a relevância das questões de direito federal”. Trata-se de um conceito jurídico aberto.
Por analogia, pode-se utilizar o requisito da repercussão geral do RExt, embora os institutos sejam diferentes. A doutrina esclarece que ambos os institutos jurídicos – repercussão geral (RExt) e relevância (REsp) – possuem a mesma finalidade burocrática de cláusula de barreira para delimitar os recursos admissíveis, mas buscam regulamentar situações distintas. Nesse sentido:
“Diante do que vimos exposto, em nosso sentir, é imperiosa e urgente a adoção no Brasil de um sistema de filtragem dos recursos dirigidos ao STJ, à semelhança do que foi feito com relação ao STF com a adoção do instituto da repercussão geral. Parece-nos, entretanto, que, para o perfil constitucional do STJ, o resgate do instituto da arguição de relevância, tal como desenhado antes da Constituição Federal de 1988, é mais adequado do que a repercussão geral. Isso porque o instituto jurídico da repercussão geral trabalha muito mais com a ideia de matéria (quaestio iuris) que ultrapassa o mero interesse das partes, é dizer, que tenha repercussão social, ultrapartes. Assim, esse instituto pode ser adequado a matérias constitucionais, mais adequado, portanto, ao perfil institucional do STF, como guardião da Constituição Federal. Para o STJ, contudo, na qualidade de guardião da norma federal, dada sua vastidão, situações podem surgir que não se enquadrem nessa ideia de repercussão geral, mas mesmo assim, dada a relevância da matéria mereçam o enfretamento por parte, deste.” (RODOVALHO, Thiago. O STJ e a arguição de relevância. 1 Ed. São Paulo: RT. 2014. pag. 843/844 apud GALLOTTI, Isabel (coord). O Papel da Jurisprudência no STJ).
Parece-nos que o reconhecimento de um não implica necessariamente no reconhecimento do outro, já que o objeto de cognição é distinto (lei federal x questão constitucional). Além disso, atributos semelhantes ao da repercussão geral devem constar na relevância especial, como os reflexos sociais, econômicos, políticos e jurídicos do recurso.
No mais, conceitos jurídicos abertos como o presente usualmente são preenchidos pela doutrina e pela jurisprudência.
Nos parece que a questão de relevância não será uma barreira para os casos em que a relevância já é presumida, nos termos do §3º da emenda constitucional. Nos casos que não se enquadrarem nas hipóteses do §3º, deverá o recorrente demonstrar a relevância do caso, necessariamente à luz das circunstâncias de cada caso, com especial atenção para reflexos sociais, econômicos, políticos e jurídicos do recurso.