Em recente julgamento realizado em 12/05/2021, a 2ª Seção do c. STJ estabeleceu que a cláusula, tendente à supressão de garantias reais e fidejussórias, é ineficaz tanto em relação a credores contrários, quanto aos credores ausentes na Assembleia de Credores, ainda que o PRJ tenha sido aprovado.

Esse precedente, estabelecido no bojo do Recurso Especial n.º 1.794.209/SP interposto por empresa em recuperação judicial em face de acórdão proferido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do agravo de instrumento n.º 2094679-65.2017.8.26.0000, sem sombra de dúvidas, coloca uma pá de cal, em tema que começava a assolar a tão necessária segurança jurídica, indispensável para adequada proteção do crédito.
No caso em questão, ressalte-se que o citado recurso foi interposto por credor em face de decisão homologatória de plano de recuperação judicial, o qual previa cláusula de supressão de garantias reais e fidejussórias, aplicável indistintamente a qualquer credor, com a respectiva concessão da recuperação judicial à empresa devedora.
Sustentando violação ao art. 49, §1º e art. 50, §1º, ambos da Lei nº 11.101/05, o TJSP concedeu provimento ao recurso de agravo de instrumento para considerar nula a cláusula de interferência nas garantias reais e pessoais atreladas aos créditos detidos em face da empresa em recuperação judicial¹.
A esse propósito, destaque-se que, muito embora seja frequente a tentativa de empresas em recuperação judicial invalidar garantias reais e fidejussórias detidas pelos seus credores, tendo como argumento a aprovação de seu PRJ e, por via de consequência, o princípio da soberania da decisão assemblar, fato é que tal questão há muito já se encontra pacificada pelo c. STJ.
Para que não pairem quaisquer dúvidas a esse respeito, é oportuno relembrar o recurso especial n.º 1.333.349/SP sob o rito de recursos repetitivos, no qual fora definida a tese de que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória“.
Essa linha de orientação também já tinha sido reproduzida por meio do verbete na Súmula n.º 581 do STJ.
Diante desse cenário, as empresas em recuperação judicial sequer poderiam argumentar eventual necessidade de revisão da respectiva tese, à luz da técnica do overruling, posto que extremamente recente os citados leading cases².
Por conta de tais fatos, o STJ, com muita maestria, reafirmou que a cláusula de supressão de garantias somente seria válida em face dos credores que assim concordaram com ela, não tendo efeitos aos credores contrários ou aos ausentes ao procedimento assemblar.
Tal modo de proceder, aliás, encontra-se em consonância com os novos dispositivos trazidos pela reforma da Lei n.º 11.101/05, por meio da Lei n.º 14.112/2020, cuja principiologia se baseou exatamente na questão de reforçar ainda mais as garantias detidas pela comunidade de credores, em prol da segurança jurídica esperada na relação creditória, evitando-se, desse modo, o aumento no custo do crédito e o estabelecimento de um ambiente mais saudável para os negócios no mercado brasileiro.

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¹ AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO QUE CONCEDEU A RECUPERAÇÃO ÀS AGRAVADAS E HOMOLOGOU A APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO EM ASSEMBLEIA DE CREDORES. HOMOLOGAÇÃO DO PLANO. Condições gerais de pagamento. Decisões tomadas em assembleia geral de credores que não são soberanas a ponto de retirar do Poder Judiciário o controle de legalidade, ainda que na hipótese de aprovação do plano em assembleia. GARANTIAS. Supressão ou substituição. Consentimento expresso do credor titular da garantia. Súmula n. 61 deste Tribunal. A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória. REsp n. 1.333.349-SP representativo de controvérsia. DESÁGIO. Ausência de ilegalidade na fixação do deságio em 80%. Recurso provido em parte. (TJ-SP, AI nº 2094679-65.2017.8.26.0000). 

 
 

 ² “A jurisprudência estável vai “engessar” o direito brasileiro? A resposta é negativa. A jurisprudência deve sim alterar porque é o termômetro mais sensível das mudanças que ocorrem na sociedade e o direito serve a ela. Mas mudanças na sociedade ocorrem em décadas, séculos e não em dias ou meses ou mesmo anos. O NCPC trata de demonstrar que a mudança da jurisprudência é algo que deve ser visto, sentido e ocorrer de forma mais solene. Deve haver consciência de que se está mudando a regra, a pauta de conduta considerada correta, e isso não pode se alterar a cada semana nem a cada mês. A essa mudança consciente e lenta é que se chama overruling e que não é o que normalmente ocorre no Brasil (WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues WAMBIER. Temas essenciais do Novo CPC. Análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016)