Autor:
Eduarda de Castro Rochedo
27 abr 2021
Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018), em 18 de setembro de 2020, e a regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro acerca da responsabilidade dos agentes de tratamento, os incidentes de vazamentos de dados pessoais ganharam destaque na mídia.
Os Tribunais brasileiros, na mesma medida, têm recebido um grande volume de ações de titulares que reclamam a indenização pelos danos morais decorrentes da indesejada exposição de seus dados pessoais e da violação ao direito à intimidade e privacidade. Em Osasco (SP), diversos consumidores ajuizaram ações indenizatórias após terem notícia da divulgação de suas informações pessoais, notícia esta muitas vezes fornecida pela própria instituição de onde o evento com dados se originou, em comprimento à obrigação legal recentemente estabelecida, transparência e boa-fé. A discussão nas demandas envolve a possibilidade de condenação dos agentes operadores e controladores ao pagamento da indenização pela simples ocorrência do incidente, ainda que o titular não demonstre a existência de qualquer dano efetivo, a partir da aplicação da teoria do dano presumido (in re ipsa).
Em que pese o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça, com amparo no Código de Defesa do Consumidor, de que se dispensa a prova do dano em caso de compartilhamento das informações do consumidor sem prévia notificação , as recentes sentenças proferidas perante os Juizados Especiais Cíveis revelam o entendimento de que, naquelas hipóteses, as informações divulgadas não acarretavam qualquer dano a direito da personalidade da parte, já que faz parte do cotidiano o fornecimento daqueles mesmos dados para a obtenção dos mais variados serviços. Desse modo, sem a configuração do dano, restaria afastado o dever de indenizar.
Confira-se, a título de exemplo, o trecho do julgado proferido pelo MM. Juízo do Juizado Especial Cível da Comarca de Osasco:
“Contudo, ainda que se trate de relação de consumo e a responsabilidade da ré tenha natureza objetiva, ou seja, independendo de culpa, imprescindível a análise da consequência da conduta da ré (falha na segurança da guarda de dados), notadamente se dela decorreu efetivo dano à parte autora, seja ele moral ou material.
É de se rememorar que o artigo 186 do Código Civil assim dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Note-se que não basta a ação negligente da ré para ensejar indenização, mas também o efetivo dano, que deve ser comprovado, não havendo que se falar em presunção.
A mesma diretriz foi observada no artigo 42 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, ao enfatizar que o controlador ou operador que, em razão do exercício de tratamento de dados pessoais, causar dano patrimonial ou moral, é obrigado a repará-lo.
No presente caso inconteste que inexistiu dano material, tanto que a parte autora pleiteia indenização por ofensa moral, o seja, a direito da personalidade.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece inúmeras garantias, dentre elas a inviolabilidade dos dados, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, e a depender da ofensa à garantias, possível se falar em lesão à personalidade, mas não foi o caso dos autos”.”²
Percebe-se claramente que aqueles MM. Juízos, sensíveis a questão, reconheceram que o mero incidente com dados cadastrais comuns e o risco de uso indevido não geraria, automaticamente, dano ao titular de dados. Afastou-se, portanto, a configuração do dano moral in re ipsa, ou seja, do prejuízo que se presume em razão da simples ocorrência dos incidentes com dados.
Por fim, cumpre salientar que antes de agosto de 2021, quando entrará em vigor o art. 52 da Lei 13.709/2018, não é possível a aplicação das sanções administrativas aos agentes de tratamento por eventuais infrações a norma. Até lá, cabe aos Tribunais a construção dos parâmetros de aplicação das indenizações por danos morais com fundamento na LGPD.
¹ STJ – RESP nº 1758799 / MG
² Processo nº 0017678-79.2020.8.26.0405; Vara Do Juizado Especial Cível da Comarca de Osasco – TJSP; j. 22/03/2021, Dr. Paulo de Abreu Lorenzino, Juiz de Direito.
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